quinta-feira, 22 de outubro de 2015

e a vida ainda pulsa

Na semana que se encerra no domingo, dois eventos, que não receberam da mídia o merecido destaque, mostram os caminhos que vão sendo trilhados por brasileiros para a construção de um País mais moderno.
No Nordeste, assolado por uma seca que já dura quatro anos, o Semiárido Show, promovido pela Embrapa e o IRPAA - Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada, mostra como os agricultores familiares tem se apropriado das tecnologias atualmente disponíveis, para uma convivência digna e sustentável com esta contingência climática, que por mais de um século tem contribuído para o aumento da desigualdade da Região.
E no Parque Água Branca, na capital paulista, a 1ª Feira Nacional da Reforma Agrária mostra a importância da reforma agrária na oferta de alimentos saudáveis na mesa do brasileiro e na redução da miséria no campo e do êxodo rural.
Para informações mais detalhadas, deixo aí os links.
Recomendo uma visita.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

uma linda história de amor (ou, juízo de mais é trambolho)


De passagem por Castelo, no Piauí, para visitar o irmão engenheiro, a mocinha foi por ele advertida a não levar a sério a lábia de um tal Baptista (fala-se batista), rapaz festeiro, enxerido e namorador, embora afável e cordial.
Com a curiosidade aguçada, resolve ela mesma tirar a prova no footing da boca da noite, costume das cidades do interior nos finais dos 1930, onde as moças casadoiras e os rapazes solteiros caminhavam pela praça, avaliando suas possibilidades.
Identificando logo o alvo, comenta com suas amigas que aquele mesmo não seria páreo para ela, garantindo que ela o faria facilmente comer na sua mão.
Ele, sempre atento, notara aquela mocinha branca e magrinha chegando na cidade mais cedo, julgando, porém, ser a esposa do engenheiro, que casara recentemente em Minas Gerais. Sua presença naquele ambiente, mostrou o engano e reacendeu sua esperança. 
No dia seguinte, ela partiu no trem com as amigas para Teresina, objetivo final de sua viagem, pois só parara por ali para ver o irmão. Ele resolveu não perder tempo.
Exercia, na época, o ofício de guarda-fio do Telégrafo, função que consistia em inspecionar o estado da linhas telegráficas, entre as estações da estrada de ferro, em lombo de burro. Entre uma viagem e outra foi aprendendo com os amigos telegrafistas o código morse, ficando apto a quebrar o galho de um ou outro, nas eventualidades. Chegara a hora de aproveitar o conhecimento e as relações.
Assim, em cada estação onde ela passava, um longo e derramado telegrama. Habituada à linguagem 'telegráfica' do meio, onde se cobrava por palavra escrita, procura avaliar se ele era muito rico ou estava perdidamente apaixonado.
Responde por cartinhas, das quais também não temos o teor.
Resumindo, em menos de um ano lá estava ele na Caiçara, em Cariré, pedindo a mão da moça em casamento para levá-la pros confins do Piauí. Diante da determinação dos dois, a família cuida dos arranjos para celebrar o casamento, com o Padre Áureo, em Sobral, e lá vão eles pra começar uma vida nova.
Estabelecida em Castelo, enfrenta com galhardia o choro e as maledicências das pretendentes ao marido, incluindo uma pretensa noiva oficial, de nome Ducolina e apelido Ducu. Depois acompanhou o marido pelo Piauí e Ceará, em suas novas funções na Coletoria Federal do Ministério da Fazenda, cujo acesso se deu por concurso público, até sua aposentadoria em Fortaleza.
Ela contava esta história com gosto, a gente escutava embevecido, perguntando pelos detalhes e o marido sorria benevolente. Cada um na certeza de ter enganado o outro.
Ledo engano. Ninguém enganou ninguém em nenhum momento.
Há 25 anos, comemoraram Bodas de Ouro, numa festa de arromba, com a presença de filhos, netos, irmãos, irmãs, sobrinhos, amigos, com tudo o que tinham direito depois de cinquenta anos de amor e cumplicidade. 
Foi a mais linda história de amor, que até hoje eu vi alguém contar...

domingo, 18 de outubro de 2015

o fogo pode queimar

Recebi hoje questionamento por justificar a utilização de queimadas em recente postagem aqui no blog.
Tá certo. Fui reler o blog e constatei ter misturado alhos com bagulhos, mostrando uma visão meio confusa sobre o assunto. E como com fogo não se brinca, me apresso pra colocar as coisas no seu devido lugar.
Embora o domínio do fogo pelo ser humano represente um dos grandes passos de sua evolução, a utilização que tem feito disto nem sempre tem sido das melhores.
Com o conhecimento e ferramentas hoje disponíveis, não exite nenhuma justificativa para o agricultor continuar usando a queimada para o preparo do terreno. No caso de um sistema de agricultura que se pretenda agroecológica ou sustentável é totalmente inadmissível.
Mormente no semiárido nordestino, onde a "fitomassa produzida anualmente não é suficiente para oferecer uma cobertura morta adequada à proteção do solo e manter um nível adequado de matéria orgânica", como ensina o Prof. João Ambrósio. Ressaltando, ainda, que "o intemperismo normal na região consome anualmente cerca de 90% da serrapilheira".
Além dos efeitos prejudiciais aos ecossistemas, as queimadas aumentam a emissão de CO2 na atmosfera, incrementando o "efeito estufa". Sem contar com o perigo que o fogo se alastre pra fora da área do roçado, provocando incêndios nas matas vizinhas, acidente bastante comum.
É deprimente o espetáculo dos rolos de fumaça no sertão quando se olha do talhado da serra ou então subindo as encostas quando se vê do sertão.
Assustador que uma prática tão primitiva e deletéria seja usada ainda costumeiramente por empreendimentos agrícolas de todos os tamanhos e de condições tecnológicas diversas. A foto que ilustra este post é a devastação de uma considerável área no sul do Pará, por uma grande empresa agrícola, dotada de recursos técnicos e financeiros.
A agricultura produtivista, dita moderna, considera o solo um suporte inerte, acreditando poder suprir todas as necessidades das plantas com o aporte de recursos externos, comprados da indústria química. Os técnicos da assistência técnica oficial ou das empresas dão de ombros, alegando ser a forma mais rápida e econômica de limpar uma área. Pudera. A conta vai pra sociedade.
Felizmente, existe na sociedade um sentimento de preocupação com as questões ambientais, ainda difuso, por certo, mas real. E existe uma prática de agricultores familiares, assentamentos da reforma agrária, produtores orgânicos, assistidos por técnicos ligados a ONGs, movimentos sociais e outros setores da sociedade civil, no sentido de mostrar a viabilidade de uma agricultura que se desenvolva junto com a Natureza e não contra ela. Preocupados em produzir alimentos nutritivos e saudáveis. Sabendo que o ser humano é parte do Meio Ambiente e não o seu dono.
Não sei se dá pra ser otimista. Mas não dá pra fugir desta luta.


sábado, 17 de outubro de 2015

A arte de colher o sol

O sol é a fonte de toda a energia e toda forma de vida do nosso planeta. Mas, somente o reino vegetal (plantas, algas) tem a capacidade de transformar a energia pura que recebe do sol em energia química, sintetizando seu próprio alimento.
Todas as outras formas de vida existentes dependem, pois, dos vegetais para sua sobrevivência e reprodução.
Nos primórdios de sua existência, o ser humano, confrontado com esta situação, perambulou pelo Jardim do Éden, coletando frutos, sementes, folhas, flores, raízes enriquecendo a dieta com algum animal distraído que passasse por ali, para garantir sua existência. Esgotada a coleta num local, levantava acampamento e ia em busca de novo pasto.
Nestas andanças, observou que nos sítio por onde passava, em volta dos lugares onde armava as tendas ou nas vizinhanças das cavernas que usava com abrigo, as sementes que caiam ao solo davam origem a novas plantas, iguais às que utilizava para se alimentar.
Pronto. Descobrira a forma de acabar com a canseira das viagens carregando o monte de tralha que todo humano vai juntando pela vida. Era o começo da agricultura.
Pra dar conta de implementar este novo modo de vida teve ainda de aprender com a Natureza todo o processo que levava uma semente, às vezes insignificante, se transformar num vegetal que suprisse a sua necessidade. Foi aluno paciente e atencioso, conseguindo por fim se estabelecer em local propício e largar a vida errante.
Desde o começo desta nova etapa, promoveu uma simplificação no sistema vegetal existente, cultivando umas poucas espécies que atendiam seus objetivos. Sempre podiam coletar outras nas matas e florestas que circundavam os assentamentos humanos.
Para o estabelecimento de seus cultivos, derrubou a floresta com seus machados de pedra, limpando o terreno com o fogo, deixando-o no ponto de receber as sementes que selecionara. Um procedimento usado até hoje, como podemos ver.
Dizem os mais velhos que isso se deu há uns dez mil anos atrás, quando do nascimento do Raul Seixas.
Daí surgiram as cidades, o comércio, a indústria, as profissões especializadas,  a cerca, a propriedade privada e todas as criações humanas que nos conduziram a este estado de progresso e convulsão onde nos encontramos.
No começo, a agricultura tinha por objetivo alimentar o grupamento humano de cada localidade. É de supor que nesta época nossa espécie tenha desenvolvido formas colaborativas e solidárias de convivência, para fazer frente aos desafios de seu entorno, sendo o tão propalado egoísmo humano uma construção perversamente elaborada por grupos que viram neste sentimento uma forma de tirar proveito.
Com o desenvolvimento da Economia, passou-se a enxergar a Agricultura como um setor atrasado, pouco dinâmico, apenas suportado por ser a única forma de produção capaz de produzir alimentos para uma população que não parava de crescer.
E a partir do conhecimento científico de uma parcela mínima e isolada de seu funcionamento, tentou-se modernizá-la dentro de uma lógica industrial, desprezando uma infinidade de seres e processos presentes nos ecossistemas.
Com um arsenal de motosserras, correntões, tratores, desfolhantes, herbicidas destroem ricos ecossistemas, ainda desconhecidos, deixando um rastro de morte, tristeza, exclusão, pobreza, mas frequentando as páginas de economia da imprensa como setor dinâmico e produtivo: o tal do agronegócio.
Um sistema predatório e irresponsável, cujas consequências já são sentidas por todos.
E a gente ainda corre o risco de ver alguma reportagem nos jornais, reproduzida depois por alguns, por ignorância e/ou má fé, acusando os pequenos agricultores de agredir a Natureza, por usar este sistema tão antigo de derrubada e queimada. Por certo, temos hoje o conhecimento de formas mais apropriadas de conduzir os cultivos. Mas o buraco é mais embaixo.
Diz um provérbio chinês que a agricultura é a arte de colher o sol. Tá certo. Colhe-se o resultado da fotossíntese. E qualquer forma de agricultura que ignore sua característica essencialmente biológica está fadado a não ser sustentável. O risco é que só acordemos pra isso quando o desastre for irreversível.


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Falaram do Natal, esqueceram do Menino

Coisas interessantes aconteceram em Ubajara, neste ano de 2015.
A comemoração do Centenário da emancipação política do município, com alguns eventos significativos, boa participação popular e um salutar resgate, por parte dos alunos da escolas municipais das memórias e histórias de suas comunidades.
Os 50 anos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar de Ubajara, relembrando hábitos dos que suaram muito para construir a base econômica desta cidade.
O Desfile do 7 de Setembro envolvendo as forças vivas das comunidades - agricultores familiares, associações comunitárias, escolas públicas e particulares - enfim toda a gente que vive por aqui.
Embora alguns torçam o nariz e o bondinho esteja parado, o CDL promoveu com êxito a sua convenção estadual, lotando a cidade com lojistas de todo o Estado.
Na quarta-feira, o CDL e a Prefeitura Municipal convidaram representantes de todos os segmentos da sociedade local para a apresentação do Projeto do Natal de Luz, no Castelo Clube, que de resto também está bombando em sua programação.
Um destaque: é a primeira vez que vejo, em nossa cidade, a preocupação em programar uma festividade, com um projeto que tenha começo, meio e fim por parte do poder público.
Procura resgatar, incentivar e desenvolver a vocação turística da cidade, através de suas qualidades intrínsecas de paisagem, clima e hospitalidade das pessoas, indo além dos equipamentos como o bondinho, propondo uma nova visão do assunto.
Na apresentação, houve a preocupação de despertar nas pessoas presentes a sua integração com o projeto, assumindo-o como sendo de cada um e da cidade como um todo. Intenção louvável, sem dúvida.
Mas, como de boa intenção o inferno está cheio, cabe questionar alguns pontos.
O primeiro, sem dúvida, é que o projeto já vem pronto. Contratam-se especialistas, evidentemente competentes, que a partir de informações de experiências exitosas em outros lugares, propõem a sua implantação na cidade, ignorando as diferenças econômicas e/ou culturais porventura existentes.
E isso não é um incentivo à participação da comunidade.
Depois, turista não é bobo. Entre uma imitação e o original, ele vai preferir sempre alguma coisa original. Aliás, o turismo se desenvolve pela procura das pessoas de viver experiências únicas e diferentes em cada localidade visitada. Daí, que ele é forte onde existem aspectos culturais marcantes e peculiares. Festas, comidas, edificações, paisagens de cada povo ou comunidade são o atrativo.
Aqui mesmo, em nossa cidade, temos o exemplo da Festa das Flores, que era realizada anualmente pelo Professor Raimundo, como um evento que atraia e movimentava um numeroso contingente de turistas, alguns dos quais acabaram se fixando por aqui.

E o Natal é mais que luzes, árvores, presentes. É a comemoração do nascimento do Menino Jesus, que veio ao mundo com uma mensagem de Amor e Paz entre todas as pessoas.
E talvez tenha sido Ele o grande esquecido da noite.
O resgate de tradições nossas, lapinhas, presépios, novenas, com certeza aumentaria o sentimento de pertencimento de toda a população, atraindo os visitantes ávidos por experiências diferenciadas e únicas.

domingo, 4 de outubro de 2015

"Pregue o evangelho em todo o tempo. Se necessário, use palavras."

Publiquei esta postagem há 3 anos. Acredito que continua atual nos dias que estamos vivendo. Republico-a.

Comemora-se, neste 4 de outubro, nas igrejas católicas do mundo inteiro, o dia de São Francisco, o mais radical seguidor de Cristo.
Aqui, no Ceará, grande festejo em Canindé, centro da devoção franciscana no Nordeste, com sua Basílica que atrai romeiros de todo canto, em busca dos milagres a ele atribuídos.
Algumas poucas paróquias no Estado o têm como padroeiro, mas em todas as cidades que conheço por aqui tem uma igrejinha ou capela de São Francisco, quase sempre localizada nas áreas mais pobres, bem ao feitio do homenageado.
Na novena que antecede a data, grande presença dos devotos, muitos vestidos com o hábito marrom e o cordão que caracteriza os frades franciscanos.
É grande a identificação dos mais humildes e despossuídos com este homem, que mais viveu que pregou as ideias que o animavam. Este boneco de pano, que ilustra o post, mostra bem a visão do povo com um seu igual.
Francisco pregou o Evangelho em todo o tempo de sua vida, desque entendeu a conformidade e o absurdo do comportamento dos bem pensantes da época com a situação injusta da sociedade.
Para ele, o Criador não estava no céu, ou no olimpo, mas ali no meio de todos, refletido em suas criaturas. Com isto, todos os seres e coisas que foram criados por Ele deveriam receber o respeito e o amor que a Ele se deviam dedicar. Atual e revolucionário, por certo.
Acredito que tenha sido canonizado em tão pouco tempo após a sua morte para evitar o contágio de seu exemplo com os seus pares. Santo é outro departamento. Francisco fazia isto porque era santo. Portanto, nada de tentar fazer o mesmo. Só rezar e pedir graças, por sua intercessão.
Francisco é muito atual. As sociedades criadas pelos humanos, muitas vezes invocando o nome de Deus em vão, cristalizaram as desigualdades como fenômenos naturais e não resultado da intervenção dos homens.
Dá pra entender porque só mais de oitocentos anos depois de sua morte um papa resolve adotar o seu nome e tenta resgatar os ensinamentos de Cristo.
Mãe Terra, Irmão Sol, Irmã Lua...
Temos muito a aprender com Francisco.

(Ilustração: escultura feita em tecido, de autoria não identificada, pertencente ao acervo do Seminário Franciscano Frei Galvão, em SP.)