terça-feira, 13 de setembro de 2016

sic transit gloria mundi

Calorosas manifestações de júbilo invadem as redes sociais desde o final da sessão da Câmara dos Deputados que cassou o mandato de Eduardo Cunha, encerrando uma longa novela.
É fácil chutar cachorro morto.
Entendo a manifestação daqueles que sempre arrostaram este indigitado indivíduo nos momentos em que arrotava prepotência e poder, colocando-se acima da Lei e dos Regimentos que deviam reger a vida da Nação e da casa que comandava.
Mas, não consigo compreender a atitude  daqueles que tinham entronizado o cunha nos altares da Pátria. Começando pelos 367 deputados que na folclórica sessão de 17/04 votaram pela admissibilidade do processo de impeachment da Presidenta Dilma, confraternizando alegremente com o referido senhor. Utilizando de forma espúria a bandeira do Brasil, numa demonstração do acerto da afirmação de Millôr Fernandes que no Brasil o patriotismo é o primeiro refúgio dos canalhas. Ontem a maioria deles fez de conta que não eram cúmplices do homem.
E a pose moralista de representantes da valorosa classe média que foi às ruas trajando o uniforme da CBF, portando cartazes "SOMOS MILHÕES DE CUNHAS" e que hoje renegam seu herói.
Fazendo jogo de cena, a mídia especula sobre os desdobramentos da cassação e outras elocubrações sobre delações e que tais.
Lorota!
Cunha é profissional. O bom cabrito não berra. Ou berra apenas o que está no script e vai levar a vida no bem bom, como o provam Youssef e o japonês da Federal.
Como o Fernando Brito diz, o episódio não tem nada de edificante ou exemplar.
A plutocracia vai desembarcando quem seja inconveniente no momento.
Para cada cachorro morto, uma matilha de cães vivos.



terça-feira, 6 de setembro de 2016

Semana da Pátria

Foto: Rosamaria
Primeira semana de setembro, a Semana da Pátria, as escolas, aqui na roça se preparando para o desfile do dia 7 de Setembro, a marcha como  falam os alunos.
O desfile cívico-militar é realmente a tradição de comemorar nossa Independência urdida por um arranjo das classes dominantes, "antes que algum aventureiro lance mão" no conselho de D. João VI ao voltar pra Portugal.
O povo mantido a conveniente distância, além do cordão de isolamento, pode se manifestar, desde que aplaudindo os poderosos. Nada daquela genuína, alegre e generosa festa que os americanos promovem no 4 de julho.
Os símbolos da Pátria, hino, bandeira, protegidos por leis e regulamentos que os conservam no domínio dos barões, longe de seu uso pelo povo. Vem de longe. Castro Alves já dizia "que povo é este que a bandeira empresta/Para cobrir tanta infâmia e covardia...". Passeatas recentes ilustram isto com perfeição.
Não era o povo, poeta, eram aqueles que Bolivar Lamounier chama de zelites. Talvez involuntariamente ela tenha achado o termo certo pra denominar esta corja.  
As zelites de nosso País nunca tiveram mesmo o interesse em construir uma Pátria para si, e muito menos para a gente maravilhosa que aqui habita e labuta heroicamente para construir um lugar digno pra se viver. Seu negócio era enriquecer rapidamente e gozar as delícias na metrópole.
Millôr Fernandes já dera conta disso ao acrescentar na célebre citação de Samuel Johnson "O patriotismo é o último refúgio dos canalhas" a observação "No Brasil, o primeiro". 
Aldo Fornazieri, em recente artigo, traça um retrato muito claro dessa zelite: "Olhando mesmo do ponto de vista dos interesses das elites, o golpe foi uma aventura. Aventura que se explica pela endógena vocação golpista dessas elites, que nunca se preocuparam em construir um projeto de país, tomando dos outros o que está ao alcance de suas mãos e se servindo do Estado para subtrair riqueza. É aventura porque o capitalismo precisa de segurança jurídica e de ambiente de regulação do conflito social para prosperar. Mas como as elites estão menos preocupadas com um capitalismo competitivo e mais em subtrair sem esforço, o que elas querem é viabilizar um capitalismo aventureiro e predador.
Mas o povo estará na rua, neste dia 7 de setembro, no Grito dos Excluídos, lembrando que o País também é deles, que deram sangue, suor e lágrimas para a sua construção. E correndo o risco de serem caçados pelos capitães do mato dos barões.
E a vida continua...

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Ordem e pogréçio

Tinha mesmo de ser dia 31. Para rimar com 1964. O golpe veste nova roupagem mas é o mesmo na essência: impedir que o Brasil avance em rumo à construção de uma nação moderna.
Dava uma primeira impressão que os golpistas queriam datar o tamanho do retrocesso. Final do século XIX, antes da adoção do voto direto, secreto e universal, uma sociedade de homens ricos e brancos, onde as mulheres sabiam do "seu lugar".
Viu-se depois que o buraco é mais embaixo. A ideia é saquear rapidamente as riquezas do País, talvez salvando o apurado no saque em contas em paraísos fiscais.
Um dia triste, muito triste.
Acho que todo mundo viu o que aconteceu. Ficou patente a postura serena, altiva e digna da Presidenta cassada diante de seus ímpares, como classificou os golpistas uma querida amiga.
E me veio à cabeça a beleza dos versos de Nelson Cavaquinho:
"O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será cortada a semente
E o Amor será eterno novamente"
A roda gira e a lusitana roda. Luto é verbo.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Qual é o preço, afinal?

Os movimentos de agricultura alternativa no Brasil começam a ganhar corpo pelos 1970, em contraponto à agricultura industrial que se implantava, dentro do processo de modernização conservadora levado a cabo pelos governos da ditadura militar.

Já no começo dos 1980 foram realizados alguns Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa, com a discussão de pontos para o fortalecimento das propostas e surgem as primeiras organizações pioneiras como o Instituto Biodinâmico, a Fundação Motiki Okada, a Associação de Agricultura Orgânica, entre outros, que desenvolveram seus trabalhos dentro dos princípios e normas preconizados pela IFOAM (Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica), dando aos consumidores a garantia da qualidade orgânica.

Neste tempo, a comercialização dos produtos orgânicos se fazia diretamente ao consumidor, seja através de feiras, muitas das quais até hoje ativas e ampliadas, ou através da distribuição de cestas de alimentos, em formatos variados, opção disponível até hoje. Com preços justos, permitindo ao agricultor cobrir seus custos de produção e ser remunerado dignamente pelo seu trabalho.

O crescimento do mercado e o aumento da demanda abriram os olhos das grandes redes distribuidoras e comercializadoras de alimentos e introduziram uma nova lógica dentro da venda de orgânicos. Ao lado do óbvio da lei da oferta e da procura, o posicionamento adotado pelas redes varejistas, determinando que o consumidor deste nicho estava acima desta lei.

Após um relacionamento amigável com os produtores orgânicos, indispensável nesta fase inicial, volta a prevalecer a relação assimétrica entre o mais forte e o mais fraco, contrariando o princípio de justiça, um dos pilares deste modo de produção. As regulamentações que se seguiram a este momento e a pressa em atender um mercado que não parava de crescer acabaram por provocar uma perigosa simplificação no sentido do termo orgânico, que passa a ser divulgado como uma agricultura de insumos (orgânicos) e não uma agricultura de processos (organismo agrícola).

Situação que dá origem a desonestas reportagens.

Pra mim a melhor forma de consumir orgânicos é através de feiras ou de cestas diretas com o produtor. Procure saber se tem uma feira orgânica em sua cidade. Vá até lá, converse com os organizadores e agricultores, avalie o que lhe repassam e faça sua escolha. Caso se ache muito atarefado, sem tempo ou paciência, procure saber se alguém distribui cestas orgânicas em sua cidade, entre em contato, converse e peça informações. Você acabará encontrando o caminho mais adequado ao seu modo de viver para o consumo destes produtos saborosos e saudáveis.

Depois desta maratona comercial voltaremos a discutir orgânicos e agroecológicos nos próximos posts.









sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

E cobram caro.

Rezam os fundamentos da economia que o preço das mercadorias é determinado pela lei da oferta e da procura. Maior procura, sobem os preços; maior oferta, despencam.

O agricultor sabe bem como funciona esta lei. E sabe também que diversos fatores interferem no viés de neutralidade de seu enunciado. Especulação, concentração de compradores e canais de distribuição, tabelamentos, confiscos, etc.


Em suas intervenções, desde os primeiros registros disponíveis, os governos privilegiam o abastecimento das populações urbanas, deixando para o agricultor o peso da lei, lavando as mãos e falando que isto é o mercado.

E quase sempre os alimentos estão na pauta da mídia quando o assunto é um repique inflacionário, com destaque para o tomate, mas já tivemos ministro que culpou até o chuchu (o fruto).

Mas quando dá um bambu e o tomate, que custa no mínimo quinze reais pra produzir uma caixa,  está sendo vendido a cinco reais (cada caixa), não aparece nenhuma matéria para dizer como o agricultor está escapando.

O agricultor é o último elo da cadeia de insumos e o  primeiro, da de distribuição. Compra pelo maior preço e vende pelo menor. Não possui organização, nem estruturas para especular com o produto, ficando estes ganhos nas mãos dos outros agentes.

E os orgânicos?

Nas prateleiras dos supermercados são vendidos mais caros que os outros e a mídia vive proclamando isso. Parte se explica pela lei da oferta e procura, citada acima, outra aos canais de comercialização utilizados e também a algumas distorções no conceito de orgânico. Veremos isso.

Os primeiros agricultores orgânicos utilizavam circuitos curtos de comercialização, vendendo localmente sua produção. Variedades que faziam parte da cultura alimentar da região, perfeitamente adaptadas às suas condições ecológicas. Não faz sentido para os princípios orgânicos queimar um tanto de combustível para trazer comida de locais distantes. Aquele princípio da ecologia, plantas adaptadas ao solo e clima, produtos da época e que tais.

Por outro lado, havia um consenso entre consumidores e agricultores que o preço dos produtos devia ser suficiente para remunerar condignamente o trabalho de quem produzia. Afinal, não dá para ter uma agricultura economicamente viável com preços que não cubram pelo menos os custos de produção (isso, até os comentaristas econômicos da globo conseguem entender). Então, não se aplicavam a lógica e os métodos empregados pela grandes corporações que começavam a surgir no mercado de alimentos e se tratava o agricultor como um ser humano com os mesmos direitos e aspirações de seus iguais. Uma relação de respeito e confiança.

Assim o mercado ia crescendo organicamente, dentro dos princípios de saúde, ecologia, justiça e precaução, quando ocorreu uma explosão na procura por alimentos orgânicos, motivada pelo reconhecimento dos malefícios trazidos pela agricultura industrial: erosão genética, desmatamento, degradação do solo, poluição do ar, contaminação das fontes e mananciais de água, monoculturas, alto consumo de combustível, exclusão social, resíduos tóxicos nos alimentos, culminando com o mal da vaca louca. Com isso, o sistema de distribuição de alimentos começou a enxergar nesta tendência um precioso nicho de mercado a explorar.

Com o aumento da procura, os preços disparam, com os novos atores na comercialização surge uma distorção no conceito de orgânico, que ao invés de ser um produto proveniente de um organismo agrícola, passa a ser tratado como um que é produzido com insumos orgânicos. Nada a ver com o conceito original. É uma agricultura de insumos, como a industrial, só que usa insumos orgânicos. Reduziu-se, então, a produção orgânica a uma simples ausência de agrotóxicos. E correu-se com as legislações governamentais para regular este novo mercado, até então autorregulado.

Estas legislações acabaram trazendo custos suplementares para o agricultor orgânico, obrigado a arcar com as despesas com inspeções, análises, sistemas de rastreabilidade e assemelhados, enquanto do sistema de produção convencional/industrial não se exige nem ao menos a obrigação da utilização do receituário agronômico, previsto em lei, para a utilização dos agrotóxicos. E não se vê nenhuma reportagem-denúncia-espetaculosa como fazem com os orgânicos. 


O sistema convencional de distribuição de alimentos encara o consumidor de orgânicos como parte de um nicho privilegiado que pode pagar caro pela sua opção. Já ouvi de um diretor de rede de supermercados a afirmação que não haveria interesse em baixar o preço dos produtos para ampliar o mercado porque a visão deles sobre nicho era outra.

Esta distorção se dissemina e chega-se a esta percepção errônea que é utilizada por muitos aproveitadores e acaba atingindo os próprios produtores. Assunto para o próximo post, onde veremos como anda funcionando o mercado de orgânicos.




domingo, 7 de fevereiro de 2016

Aroma & Sabor

Em geral as pessoas compram produtos orgânicos porque eles não contêm agrotóxicos. Brinco até que é talvez a única compra que fazem baseada numa ausência de qualidade.

É uma visão míope, baseada numa percepção de uma agricultura baseada em insumos, onde se combatem os sintomas dos desequilíbrios causados pela atividade, ao invés de se identificar e cuidar de eliminar suas causas. Razão de reportagens grotescas como a exibida no último dia 31/01 no fantástico show da vida.

Poucos se perguntam porque este sistema de produção dispensa a utilização destes venenos, tão prejudiciais à saúde dos seres vivos e ao meio ambiente. É a parte mais interessante da história.

Doenças e pragas numa plantação são sintomas de desequilíbrio, causado por um manejo errado. Os ecossistemas vivem num perfeito equilíbrio dinâmico, com todos os fatores interagindo si e as diversas populações, organizadas numa cadeia trófica, mantêm a estabilidade demográfica, evitando que alguma delas se transforme em praga. Os insetos ou microrganismos desempenham sua função de polícia sanitária do sistema, eliminando partes de plantas mal formadas ou mal nutridas, sem condições de pleno desenvolvimento.

A agricultura promove radical simplificação de um ecossistema. E a agricultura industrial, mais ainda, focando apenas nas relações solo-planta-atmosfera, considerando um ataque de pragas apenas como um ruído, que se combate com os venenos produzidos pela indústria química.

Os agricultores orgânicos/agroecológicos procuram reproduzir em seus cultivos as condições observadas na Natureza, através de um manejo que leva em conta toda a interação entre as culturas, o solo, o clima, a vegetação espontânea, o meio ambiente, promovendo a biodiversidade, estimulando os ciclos biológicos, procurando, assim, um equilíbrio natural. Um jeito natural de produzir alimentos saudáveis, nutritivos e seguros, além de cuidar da preservação dos recursos naturais – solo, água, flora e fauna.

Portanto, ter um produto isento de agrotóxicos é apenas um bônus, pela quantidade de benefícios que estão nele incorporados. O aroma e o sabor incomparáveis de um produto cultivados num sistema que permite seu pleno e natural desenvolvimento, fontes de água limpas e cuidadas, as flores das matas preservadas, a alegria e saúde das pessoas que o produzem são os atributos que fazem a diferença.  Afinal, todos moramos no mesmo Planeta, que é finito, o derretimento do gelo nas calotas polares eleva o nível dos oceanos em todos os cantos, o desmatamento da Amazônia provoca seca e falta de água em São Paulo, a emissão de gases de efeito estufa elevam a temperatura em todos os continentes. Está tudo interligado, o lá fora não existe e o lixo que você dispensa é dentro de sua casa. Tá tudo interligado.

E porque a mídia insiste apenas nesta conversa de agrotóxicos? Visão reducionista e interesses inconfessáveis. O movimento orgânico se auto regula desde seus primórdios. A Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM, da sigla em inglês), desde sua origem, sistematizou os princípios, estabeleceu normas de produção, criou mecanismos para garantir a qualidade deste modelo de produção, muito antes que os Estados estabelecessem legislações sobre o assunto, de resto, baseadas no trabalho por ela desenvolvido. Afinal, como vimos anteriormente, os representantes da poderosa indústria de insumos estão de olho, desde o início.

Um jornal aqui da terrinha colhe anualmente amostras de produtos orgânicos vendidos no varejo para detectar resíduos de agrotóxicos. Até agora com resultados negativos. Um zelo que não é demonstrado quando a ANVISA divulga sua lista de campeões de contaminação, em pesquisas anuais.

O consumidor dispõe de informações na internet sobre legislação, certificação, organizações, portais de notícias, produtores, distribuidores, processadores, fazendas, enfim todos os elos da cadeia. E os agricultores orgânicos estão de portas abertas para recebê-lo e mostrar, com orgulho, todo o sistema de produção. Ao contrário dos transgênicos, não temos nada a esconder.



Mas o produto orgânico é muito caro, não? Isto é assunto pra outra conversa. Prometo tratar disso.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Orgânico e agroecológico

Ao procurar alimentos saudáveis, produzidos em comunhão com a Natureza pela agricultura alternativa ao modelo industrial vigente, o consumidor se depara com uma série de denominações que podem deixá-lo confuso quanto ao significado e pertinência. Vamos tentar entender porque.

Desde o início da química agrícola, em diferentes regiões do Planeta, diversos estudiosos criticaram a maneira reducionista e positivista de empregar os conhecimentos adquiridos pela Ciência na produção agrícola. Achavam o modelo manco, por ignorar as incontáveis interações biológicas existentes nas relações entre o solo, a planta, o ambiente, a fauna e o homem.

 O contrário deste modelo era adotar um enfoque holístico, que promovesse a agrobiodiversidade e os ciclos biológicos na unidade de produção, procurando sua sustentabilidade ambiental, econômica e social, no espaço e no tempo.

Ou seja, a propriedade agrícola é considerada uma unidade indivisível, onde todas as atividades seriam parte de um corpo dinâmico interagindo entre si. Seria um organismo agrícola, um sistema onde o todo é maior que a soma das partes. Daí a origem do termo agricultura orgânica. De organismo agrícola.

Este nome foi adotado pela Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM, do inglês) que sistematizou os princípios que orientavam o movimento: saúde, ecologia, justiça social (equidade) e precaução. E definiu normas de produção, orientadas por estes princípios, que forneceram as bases para sistemas de certificação exigidos pelo mercado.

De cara os representantes da agricultura industrial questionaram a utilização do termo pelos movimentos de agricultura alternativa, alegando que, mesmo com o uso de insumos industriais, aconteciam os processos biológicos e orgânicos na agricultura convencional. A discussão chegou aos tribunais, que deram ganho de causa aos movimentos, garantindo a utilização do nome Agricultura Orgânica (AO) como exclusividade de um modelo de agricultura não-convencional, praticado num organismo agrícola.

A legislação brasileira adota o termo “orgânico” como coletivo das várias escolas que praticam este modelo de agricultura: biodinâmica, orgânica, biológica, natural, ecológica, permacultura, regenerativa, sustentável, ou qualquer outro que siga os mesmos princípios.

E onde entra o agroecológico?

Na polêmica citada acima, alguns defensores da agricultura alternativa defenderam a adoção do termo Agricultura Ecológica (AE) como uma maneira de escapar dos problemas levantados pela indústria. Pessoalmente, acho que o reconhecimento pela Justiça da propriedade de utilizar o termo Agricultura Orgânica foi muito importante por aceitar o conceito de organismo agrícola, marcando a diferença entre uma agricultura baseada em insumos, de outra baseada em processos. Os termos orgânico e agroecológico se entrelaçam em sua origem. E muitas vezes são usados como sinônimo, embora nem sempre com propriedade.

O crescimento explosivo da demanda por este tipo de alimento, sem o correspondente aumento da oferta, provocou uma melhor remuneração, atraindo muitos produtores, interessados apenas em cumprir as normas para conseguir uma certificação e participar deste mercado.  Em detrimento de uma observância rigorosa dos princípios, em especial o da ecologia. Uma agricultura de insumos orgânicos, ao invés de processos orgânicos.

Por outro lado, o desastre ambiental provocado pela agricultura industrial (e pelo conceito de desenvolvimento e seu modelo) fez surgir com força a preocupação com a ecologia e muitas discussões sobre um novo modelo de exploração agrícola. Surge então o termo Agricultura Sustentável, solução encontrada pelos países ricos para não adotar a Agricultura Orgânica como paradigma, temendo prejudicar sua indústria.

Neste contexto aparece a Agroecologia, uma Ciência nova que utiliza conceitos da agronomia, ecologia, economia e sociologia, com limites teóricos bem definidos, propondo o desenho de sistemas agrícolas mais integrados, abordando as biointerações que aí ocorrem, os impactos da agricultura nos ecossistemas e as questões sociais que envolvem a produção agrícola. Uma abordagem holística, para um modelo de agricultura que responda às necessidades atuais de alimentos saudáveis, respeitando os limites dos ecossistemas e promovendo o bem estar de todos os seres vivos do Planeta. Isto é, um marco conceitual de uma agricultura sustentável em suas dimensões ecológica, econômica e social, definindo caminhos, mas não impondo regras ou normas.


Complicado? Não, complicada é a vida. Continuaremos nosso papo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Cogito, ergo sum! cogito?

Direto e reto: os consumidores devem evitar a compra de produtos orgânicos. São caros, não têm garantia de qualidade e tem gente se aproveitando da sua ingenuidade.

Globo locuta, causa finita?

Comentários nas redes sociais reforçam esta impressão. Nenhum questionamento, o coro do 'eu já sabia', melhor engrossar o cordão das pessoas afortunadas, que se dispensam de pensar.

Fico encucado. Notícias e reportagens procurando desacreditar as diversas formas de agricultura alternativa são uma constante da grande mídia. Desde que o movimento começa a se articular, aí pelos 1970. Já se falou que era coisa de hippie, de lunáticos e nefelibatas, de ignorantes que tentavam brecar o avanço da ciência e promover o retorno da humanidade à idade da pedra. Sempre ataques violentos, a maior parte sem fundamentos, eivados de preconceitos, ignorância e má fé.

Por outro lado, as pessoas começaram a acordar para o paradoxo da agricultura industrial, dita 'moderna': o alimento como ameaça à saúde de quem consome e de quem produz. Culminando, nos países do Norte, com o Mal da Vaca Louca, que provocou uma corrida pelos produtos alternativos, conhecidos pela denominação genérica de orgânicos. Esta explosão da demanda fez surgir uma legião de aproveitadores, que sempre foram denunciados pelos agricultores alternativos, ou seja os orgânicos e os agroecológicos, sem que ninguém lhes desse ouvido. Aproveitadores, aliás, estão presentes em todas as esferas das atividades humanas, dispensando que se mostrem aqui exemplos já conhecidos por todos.

A matéria começa com uma animação repleta de estereótipos (desconhecimento? preconceito?) sobre o agricultor brasileiro, que mora lá num lugar distante do interior do Brasil. Ora, gente, o agricultor faz gestão de processos, dos quais a Ciência só conhece a superfície e assim mesmo de forma compartimentalizada, merecendo, no mínimo, ser olhado de outra forma,

Abre-se o quadro e surpresa: surge um feirante, que em nenhum momento da reportagem é apresentado como agricultor. Apenas um comerciante esperto e desonesto, que se aproveita da marca para faturar. Por que então aquela historinha inicial? Por que associar o agricultor com o estelionato de um comerciante?

De volta mais estereótipos: a fazendinha orgânica, com os canteirinhos, uso de enxada, reforçando a ideia de que este modelo não vai atender a demanda de alimentos. E a inevitável associação de imagens de produtos feios e mal cuidados ao sistema de produção orgânica, enquanto as imagens de produtos convencionais são bem plásticas.

Se a Natureza consegue produzir o majestoso ipê que ilustra este post sem utilizar fertilizantes químicos sintéticos nem agrotóxicos. porque não faria o mesmo com um pé de tomate ou pimentão?

Produtos feios e mal cuidados têm mais a ver com a negligência do agricultor que com o sistema de produção. Muçarela e Primavesi sabem disso.

O presidente do Sindicato dos Fiscais Federais acha muito grave - segurança alimentar, saúde pública - mas o Sindicato está na Justiça contra medidas que poderiam agilizar e facilitar a fiscalização. Coisas de perda de status e poder, nada de segurança alimentar. E brotam fiscais quando se faz alguma denúncia sobre a agricultura familiar, seja para apreender produtos, seja para fechar estabelecimentos, baseados numa legislação que foi alterada em episódio cheio de coincidências.

E por aí prossegue.

Coloca em suspeição as feiras orgânicas, em especial a feira da ADAO, no Mercado dos Pinhões, em Fortaleza/CE. Para esta um tratamento diferenciado. Enquanto nas outras feiras os fiscais trajam os escuros coletes funcionais, aqui imaculados guarda-pós e luvas brancas. Dá mais credibilidade? (Anote-se, porém, que colher as amostras com as mãos nuas, como mostrado no Recife, pode comprometer os resultados).

Recomenda exigir o certificado ou registro de produtor orgânico, só pra lembrar que isto não evita fraudes, citando um pilantra certificado lá de Florianópolis. Mas que casa bem com a narrativa que se quer construir.

Sonega (ops!) informações importantes sobre o movimento orgânico no Brasil, estrutura, correntes, legislação, formas de certificação previstas na legislação, entre outras coisas.

O consumidor de orgânicos não é um ser desamparado, órfão do Estado, dependente da eficiência de um sistema de fiscalização arcaico e falho. Via de regra é um cidadão consciente, inquisidor e informado. Não é um ingênuo que aceita gato por lebre e procura esclarecer prontamente as dúvidas.

O movimento orgânico/agroecológico está atento à observância dos princípios que orientam este sistema de produção e possui mecanismos para monitorar seu cumprimento, indo até além das determinações legais. Possui canais de informação disponíveis para qualquer interessado dirimir dúvidas, apresentar sugestões ou denúncias, oferecendo bem mais segurança que a produção convencional, esta sim ao largo de qualquer controle.

Duas palavrinhas sobre a ADAO, organização com anos de história no movimento orgânico, que talvez esteja pagando pecados pelo salto alto, decorrente de sua inovação e pioneirismo. Reunindo numa associação consumidores e produtores, com ampla maioria de consumidores, seria um caso raro de consumidor enganando a si próprio. Curiosíssimo. Nestes links, de fontes e datas variados, informações maiores para quem estiver interessado.

Impagável a cena com o agricultor denunciante silhuetado, em ambiente francamente urbano, acrescentando drama e suspense ao enredo.
  
O movimento orgânico tem sérios problemas, sim. Como transformar a quinoa, alimento dos povos do altiplano, em um produto de preço inacessível para quem o produz. Taí uma pauta interessante, exigindo fôlego, competência e coragem. Vai mexer com as imorais distorções do Sistema Agroindustrial de produção, distribuição e venda de alimentos, apelidado de agronegócio.

Alguém se habilita?

Se alguém que se presume cursou uma faculdade e tem anos de experiência na profissão faz uma matéria deste tipo, não dá para estranhar os comentários de quem se informa exclusivamente pelo que vê na mídia.

Em breve continuamos aquele papo, com maiores detalhes sobre o assunto.


domingo, 17 de janeiro de 2016

Agricultura orgânica e sustentável

Alguns posts recentes no face e as últimas andanças pelo sertão suscitam algumas reflexões sobre o tema e de quebra, assunto para retomar esta página.

Em especial sobre algumas noções cristalizadas, até contraditórias, que circulam sem que se levante nenhum questionamento sobre os princípios que orientam este modelo de produção.

A agricultura surgiu há 10.000 anos atrás, (talqualmente Raul Seixas), e de lá pra cá permitiu que o ser humano largasse a vida nômade e construísse o que chamamos de civilização, com a alimentação garantida pelo trabalho do agricultor.

Foi a base da riqueza de muitos povos e nações, possibilitando e financiando o surgimento dos setores industrial e de serviços.

Mas também a causa da derrocada de civilizações que não souberam manejar os recursos naturais disponíveis, exaurindo-os por ganância.

Essencial, até hoje, para garantir a alimentação da população e matéria prima para diversos setores industriais, a agricultura é vista como um setor atrasado da economia, tolerada apenas pra não faltar o pão nosso de cada dia. E o agricultor é solenemente ignorado pela sociedade, que acredita piamente que a comida brota nas prateleiras dos supermercados.

Ao longo desta história, os agricultores construíram vasto conhecimento sobre os cultivos e criações, interpretando e interagindo com a Natureza, fonte de vida do Planeta.

E sempre foram criteriosamente vigiados pelos donos do poder, cientes de que o pão e o circo eram essenciais para a manutenção da ordem na vassalagem.

Aí pelos meados dos 1800, o desenvolvimento da Ciência permitiu um grande conhecimento do mecanismo da alimentação das plantas e dos animais domésticos, com o entendimento da importância e função dos nutrientes, prometendo uma nova era para atividade.

Mas, desmentindo a pretensa neutralidade do conhecimento (ou da utilização que dele se faz), ao invés de desenvolver a agricultura, abriu-se uma era de ouro para a indústria de fertilizantes. E a chamada Revolução Agrícola foi na verdade sua subordinação à lógica industrial.

Mesmo reconhecendo os avanços importantes dos estudos da química agrícola, muitos cientistas criticaram a visão reducionista do modelo apresentado, por minimizar (ignorar?) o caráter essencialmente biológico da agricultura. E já em 1924, Rudolf Steiner apresentava suas oito palestras para os agricultores, com os fundamentos da agricultura biodinâmica. E em vários lugares de diversos continentes outros pesquisadores desenvolviam suas propostas.

Os temores tinham fundamento. Ao lado de um vistoso e incontestável aumento da produtividade agrícola (sempre louvado e lembrado pela mídia), ficou um rastro de degradação ambiental, erosão genética, poluição, contaminação por agrotóxicos e exclusão social. O aumento de produtividade deprimiu os preços dos produtos agrícolas, deixando os agricultores em situação de desvantagem nas suas relações de troca com a indústria de insumos e equipamentos agrícolas. E, embora o estoque de alimentos hoje disponível seja suficiente para alimentar uma vez e meia os habitantes da Terra, convivemos com milhões de famintos, ironicamente, grande parte entre a população rural.

O despertar da consciência ambiental na sociedade e o temor de consumir alimentos com resíduos tóxicos criam um crescente mercado para alimentos produzidos por sistemas alternativos à agricultura industrial.

Assuntos para os próximos posts que isto tá ficando comprido demais.