quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Cidadão de Ubajara

Foto de Regina Cunha
Sexta feira, 24 de agosto, Rosa e eu fomos agraciados com o título de Cidadão Honorário de Ubajara, em sessão solene da Câmara Municipal, convocada para este evento, no dia do aniversário do município. Como há anos não se fazia a entrega dos diplomas, conterrâneos já agraciados em anos anteriores também estavam presentes, recebendo a merecida honraria.
De mãe ubajarense e frequentador da cidade desde a mais tenra infância, apaixonado pela sua natureza exuberante e o doce cheiro dos engenhos de cana, escolhi a cidade para morar no início dos 1990, voltando a praticar a agricultura, atividade primeira dos meus antepassados.
Ao voltar, com a experiência adquirida em andanças pelo País e profissão diversa, procurei desenvolver um trabalho voltado para o modo de produção orgânica e para a atualização da agroindústria artesanal da cana de açúcar. Tarefa impossível de executar de forma individual, levando a articulações de formas associativas de trabalho. Daí surgem a APRODOCE, associação de produtores de rapadura, de vida efêmera e a APOI, associação de produtores orgânicos, até o momento em plena atividade, às quais dediquei meus melhores esforços.
Rosa, ao lado dos ingentes trabalhos exigidos por uma casa e um sítio, teve logo a atenção despertada pelo alto número de gravidez de adolescentes na comunidade e conversando com uma amiga de escola, que hoje mora na Alemanha, começaram a fazer um trabalho assistencial para elas. Logo ficou patente que sem atacar as causas seria enxugar gelo. Daí tem berço a Associação Estrela Dalva, para desenvolver a consciência, a autoestima e a cidadania nos moradores (e principalmente nas moradoras) da roça. Que desenvolve um belo trabalho nas comunidades onde atua, sem nenhuma ajuda ou subvenção oficial, seja federal, estadual ou municipal. Conta com o trabalho dedicado e voluntário de sócias e sócios que compraram a ideia e a doação de roupas e objetos feitas por uma associação, Aktionskeiss Belo Horizonte, sediada em Krefeld, Alemanha.
Donde nossa indicação ter sido feita pela FEMAC, Federação das Associações Comunitárias de Ubajara, nas pessoas de Ronildo e Benedito e acolhida pelo vereador Marlito, autor do projeto de lei aprovado pela Câmara. Gratidão a todos.
Alegria por ter compartilhado este momento com o Arimateia, que movimenta a rapaziada no Grupo de Escoteiros, além de incorporar o Palhaço Juqinha, em eventos aqui na Estrela Dalva. Com o Gilson Mota, que inovou a gestão do Parque Nacional de Ubajara, unindo conservação e vitalização desta importante unidade. Com a Teresinha Moura, que ao lado do brilhante trabalho desenvolvido na CDL da Ibiapaba, compartilha conosco o mesmo grupo familiar. Com a Professora Ilma com quem tive convivência no Polo Presencial da UAB, dirigido por ela por alguns anos, quando lá fazia meus estudos. Com o Sr. Manuel, em cuja loja adquiri muitos insumos para a atividade agrícola. E com todos os demais agraciados, que elegeram Ubajara como sua morada e/ou por aqui desenvolveram trabalho relevante.
Rosa e eu sempre fomos ligados a Ubajara pelas origens familiares e este título nos deixa muito felizes e honrados.
Fica o registro de uma noite de emoções, com a presença de pessoas muito queridas que se abalaram de suas casas para nos prestigiar e tornar mais plena a nossa alegria.
E a vida continua.



terça-feira, 28 de agosto de 2018

Hay gobierno, soy contra. No lo hay, tambiém.

Quando tirei meu título de eleitor, em 1966, o golpe militar já havia reduzido as eleições a um simulacro de faz de conta, para salvar a imagem de um governo constitucional, logo transformado em ditadura escancarada em 1968. No entanto, entre os estreitos limites a que nos obrigam a gramática e a lei, como dizia o velho Graça, procurei utilizá-lo da melhor forma possível para a construção do Brasil dos meus sonhos juvenis.
Na época foi extinto o voto direto para presidente da república, governador, prefeito das capitais e cidades de interesse estratégico da ditadura (ou seja para o executivo), sendo permitido apenas para o legislativo, dentro de uma estrutura bipartidária imposta. A ARENA era o partido do governo, o MDB, a oposição consentida, reunindo desde conservadores democratas como Ulisses Guimarães e Tancredo Neves até pessoas mais à esquerda como membros do proscrito Partido Comunista. No entanto, o ditador de plantão poderia cassar a qualquer momento o parlamentar que ousasse ultrapassar a linha delimitada pelo regime.
Estudante secundarista, ingressando na universidade, sempre votei com o MDB, dando preferência a nomes que tinham uma posição mais firme contra a ditadura, os chamados "autênticos". Sem nunca ter tido filiação política partidária, ou atuação destacada no movimento estudantil, nem em movimentos sociais e de contestação ao regime.
Apesar da tutela e dos casuísmos adotados pela ditadura para controlar o resultado dos pleitos, em 1974 foi dado um claro recado nas urnas, com a eleição de 16 senadores, das 22 vagas em disputa, pelo MDB, sendo este o único cargo majoritário em disputa, embora o partido não tenha querido arriscar seus nomes mais vistosos na disputa. A reação veio braba, em 1977, com o famigerado Pacote de Abril, que instituiu o senador biônico. Mas o povo entendeu que este era o caminho.
A vitória do MDB atraiu para o partido toda sorte de políticos carreiristas e oportunistas, havendo os que, com a maior desfaçatez, usavam o slogan sou do MDB você sabe o porquê. E as eleições de 1978 confirmaram a força do partido, levando o regime a decretar o fim do bipartidarismo em 1979, extinguindo ARENA e MDB e obrigando os novos partidos a serem criados utilizar a denominação partido, em seu nome.
O MDB apenas acrescentou o nome partido em sua denominação, tornando-se o irreconhecível Partido do Movimento Democrático Brasileiro, PMDB, embora conservando o apelo eleitoral. E os estrategistas do regime recriaram o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, entregando a sigla a Ivete Vargas, para evitar que fosse utilizada por Leonel Brizola, que retornara ao País com a Anistia. Assim, além dos sarney, maluf, collor e outros menos conhecidos, temos como mais uma herança da ditadura os partidos de aluguel.
Conversa puxa conversa, o papo tá ficando longo e vai precisar de outro momento para falar das eleições para o executivo que vieram depois.
Mas o voto tem poder. Então não jogue ele fora.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Rural e desconhecido

Fonte: IBGE
Em postagem recente prometi falar sobre os agricultores que não utilizam agrotóxicos, que de acordo com os dados preliminares do Censo Agro 2017, divulgados pelo IBGE, representam 64% do total de estabelecimentos agropecuários, num total de 3.230.186. A mesma pesquisa aponta um crescimento de 20,4% no número daqueles que deles fazem uso, em relação a 2006, atingindo o número de 1,7 milhão de unidades produtivas. A não utilização de veneno por 2/3 dos estabelecimentos poderia ser motivo de festa, se estes números não revelassem (melhor, escondessem) uma realidade perversa.
Mais da metade dos estabelecimentos agrícolas do Brasil pratica uma agricultura rudimentar, sem utilizar técnicas elementares de cultivo, tem precário acesso a mercados e ocupa ínfimos palmos de terra. Não aparece nas matérias de economia da mídia que exaltam e louvam a pujança do agro brasileiro. No entanto, teima em permanecer firme e real no desconhecido mundo rural, aparecendo a cada censo agropecuário que se realiza.
A modernização da agricultura brasileira, incrementada a partir de meados dos 1960, ignorou totalmente a questão agrária, embora já dispondo do Estatuto da Terra, criado em 1964 pelo governo militar, limitando-se a atualizar as práticas utilizadas desde o século XIV, com a adoção da mecanização e insumos químicos para culturas voltadas à exportação. Quem não se adequasse ao figurino estava excluído do processo, impedido de ter acesso ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e à assistência técnica oficial e gratuita.
Fechou-se a porta do progresso para uma multidão de agricultores, gente irrelevante fadada ao desaparecimento com o advento da agricultura pujante e moderna que brotaria dos planos iluminados desenhados nas pranchetas do Brasil Grande. Gente ignorante dispondo apenas de conhecimentos ancestrais sobre cultivos tradicionais, que logo seriam substituídos pelos conhecimentos acadêmicos dos egressos das faculdades de agronomia, habilitados a receitar adubos e venenos.
(Curioso que a agricultura dita moderna esteja indissoluvelmente ligada à aquisição de insumos da indústria agroquímica. Nos últimos anos do século passado, eu mesmo já tive negado um custeio de maracujá, num banco público, porque não utilizava estes insumos por adotar um manejo orgânico. Cumpre informar que, realizando o plantio com recursos próprios, obtive produção e produtividade do mesmo nível que os companheiros da região que adotavam o pacote exigido.)
Os analistas do Censo vão decretar a irrelevância desta gente, vociferando contra qualquer política pública que lhe seja dirigida. No entanto, quem anda pela roça sabe como são capazes de responder a qualquer programa criativo que leve em conta suas características, como o PAA.
E a cada Censo Agropecuário estarão presentes para demonstrar o fracasso do agronegócio (o nome chique que inventaram para o sistema de plantation, adotado desde a Colônia) em promover o real desenvolvimento do mundo rural.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Secreto e universal

O voto é o instrumento utilizado nas democracias ocidentais para que os cidadãos escolham seus representantes políticos ou ainda para decidir sobre assuntos de interesse público, através de referendos e plebiscitos. É direto, manifestação direta do cidadão; secreto, para evitar pressão ou retaliação sobre sua escolha e universal, independe de sexo, credo, cor ou raça, renda ou condição social e grau de instrução.
Entretanto, este instrumento nunca fez nenhum sucesso entre as classes que dirigem este País desde 1500 pelo risco que trazia aos privilégios que muitos julgam direito divino.
Chegou tardiamente ao Brasil, no Código Eleitoral de 1932, por ser reivindicação do movimento tenentista, vitorioso na Revolução de 30, sendo utilizado para a eleição dos constituintes de 1934 e em algumas eleições em estados e municípios, mas já em 1937 foi suspenso, só voltando a ser usado nas eleições de 1945, com o fim do Estado Novo.
Junto com o voto, secreto e direto, pois só veio a ser universal em 1988, foi criada a Justiça Eleitoral para garantir a lisura do novo processo e a livre manifestação do eleitor. E em 1936, numa eleição no Rio Grande do Sul, um magistrado, Moysés Vianna, foi assassinado por exigir que o pleito transcorresse dentro do que rezavam a Constituição e a Lei. Raro exemplo.
Finalmente, em 1945, aconteceu a primeira eleição brasileira com voto direto e secreto e seu resultado foi acatado pela totalidade das forças políticas da época, PSD, UDN, PTB, PCB e outras legendas de expressão regional. Mas já em 1947, a justiça eleitoral, aquela criada para garantir a lisura do pleito e livre manifestação do eleitor,  decide por três votos a dois cassar o registro do PCB, seguindo-se a cassação dos mandatos dos eleitos pela legenda, que obtivera em torno de 10% dos votos para presidente e 5% para o Congresso. Este exemplo deu frutos.
A eleição de Getúlio, em 1950, deu início a feroz campanha promovida pelos adversários derrotados culminando com sua morte. A posse de JK, eleito em 1955, só foi garantida por um golpe militar preventivo, promovido pelo General Henrique Lott. JK concluiu o governo e passou a faixa para o candidato da oposição Jânio Quadros, que logo perdeu o apoio das zelites, renunciando e deixando o país numa crise, pela recusa de alguns setores civis e militares, que conspiravam desde a eleição de Getúlio, em aceitar a solução constitucional. Acabou no golpe militar de 1964, que instalou uma ditadura e manteve um simulacro de eleições. Muito da miséria política onde estamos mergulhados vem dessa recusa de aceitar os resultados eleitorais.
Fica aí a dica de Winston Churchill, um conservador que se aliou a um adversário comunista, com quem tinha insanáveis divergências no campo ideológico e econômico, para derrotar a barbárie nazista que punha em risco todas as conquistas civilizatórias da Humanidade. É assustador que os conservadores brasileiros adotem estas teses nazistas com tanta naturalidade.
O povo brasileiro sempre adotou o voto como sua arma na luta por melhores e mais dignas condições de vida, desde que este instrumento lhe foi oferecido. E está consagrado no parágrafo único do Artigo Primeiro da Constituição Federal de 1988.
Que sua vontade seja respeitada!

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Nome aos Bois

Longo silêncio, um ano inteiro, por motivos pessoais e profissionais, e eis que me chega a edição da revista Hortifruti Brasil com a matéria de capa: Os hortifrútis produzidos no Brasil são seguros?
A Hortifruti Brasil é uma publicação do CEPEA - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada - ESALQ/USP dedicada a informações e análises sobre a produção de frutas e hortaliças, tratando, nesta edição, dos relatórios da ANVISA sobre resíduos de agrotóxicos nestes alimentos e do tratamento que a imprensa dá ao assunto.
Da mídia, nenhuma novidade: muito espalhafato e pouca informação e discussão.
A revista ressalta que o risco à saúde, divulgado, aliás, pela própria ANVISA, é mínimo e que grande parte das não conformidades se devem à falta de registro de alguns agrotóxicos para determinados produtos. O artigo completo pode ser encontrado aqui.
De minha parte acredito que, registrados ou não, não existem níveis seguros para o consumo destas substâncias, mesmo em quantidade abaixo do Limite Máximo de Resíduos (LMR) tolerados pela legislação.
Enquanto isso, era aprovado na comissão especial da Câmara dos Deputados o PL 6299/2002, o famigerado PL do Veneno, que facilita a liberação de agrotóxicos, com intensa oposição de órgãos e entidades ligadas à saúde e ao meio ambiente, pelo risco evidente de precarização da saúde e qualidade de vida de agricultores e consumidores.
Os defensores da PL lançam mão de conhecida coleção de falácias, incluindo a manjada e falsa ajuda à produção do agricultor familiar, procurando esconder seus únicos e reais beneficiários: os lucros das multinacionais do ramo agroquímico e sua cadeia de distribuição.
É por demais óbvio que a aplicação de agrotóxicos não tem tido sucesso no que se propõe. Apesar de sua aplicação indiscriminada há mais de meio século as pragas da lavoura só têm se multiplicado, como confirma o histérico discurso dos apoiadores da PL do Veneno. Ou seja, propõe-se uma solução que já se mostrou ineficiente. Quem ganha com isso? Nem o agricultor, nem o consumidor.
Irônico que o site que defende a aprovação do projeto se chama leidoalimentoseguro.com.br. Inconcebível falar em alimento seguro com a aplicação descontrolada de agrotóxicos. Que é só isso o que garante o projeto de lei. Aquela balela de receituário agronômico, orientação técnica e afins são conversa pra boi dormir. Basta ver o que acontece hoje.
Coroando o processo uma alteração semântica. Sai o nome agrotóxico, considerado forte por ressaltar a toxidade das substâncias, entrando em seu lugar a denominação defensivos agrícolas, mais inócuo e palatável. Até o termo pesticida (ou praguicida), usado internacionalmente, foi desprezado
Desconfio desses eufemismos, sempre a esconder duras realidades.
Não dá pra ser otimista com a posição do plenário da Câmara sobre o assunto. Temos visto quais interesses a maioria tem defendido. Quase nunca os do Brasil e seu povo.
Abramos o olho.

P.S.: a foto que ilustra esta postagem é de um dos estabelecimentos agropecuários que não utilizam agrotóxicos, segundo os dados preliminares do Censo Agro 2017, divulgados pelo IBGE. Mas isto é assunto pra outra conversa.