quinta-feira, 15 de novembro de 2018

"...privilégio de nascimento..."

Alegoria da República, Frederico Antonio Steckel, 1898
Como visto por Aristides Lobo, republicano histórico e membro do primeiro governo da República.
 Cartas do Rio(*)
ACONTECIMENTO ÚNICO

Rio de Janeiro, 15 de novembro de 1889.
Eu quisera poder dar a esta data a denominação seguinte: 15 de Novembro, primeiro ano de República; mas não posso infelizmente fazê-lo. O que se fez é um degrau, talvez nem tanto, para o advento da grande era.
Em todo o caso, o que está feito, pode ser muito, se os homens que vão tomar a responsabilidade do poder tiverem juízo, patriotismo e sincero amor à liberdade.
Como trabalho de saneamento, a obra é edificante. Por ora, a cor do Governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula.
O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava.
Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.

Era um fenômeno digno de ver-se.
O entusiasmo veio depois, veio mesmo lentamente, quebrando o enleio dos espíritos.
Pude ver a sangue-frio tudo aquilo.
Mas voltemos ao fato da ação ou do papel governamental. Estamos em presença de um esboço, rude, incompleto, completamente amorfo.
Bom, não posso ir além; estou fatigadíssimo, e só lhe posso dizer estas quatro palavras, que já são históricas.
Acaba de me dizer o Glycerio que esta carta foi escrita, na palestra com ele e com outro correligionário, o Benjamim de Vallonga.
E no meio desse verdadeiro turbilhão que me arrebata, há uma dor que punge e exige o seu lugar – a necessidade de deixar temporariamente, eu o espero, o Diário Popular.
Mas o que fazer? O Diário que me perdoe; não fui eu; foram os acontecimentos violentos que nos separaram de momento.
Adeus.
Aristides Lobo

(*) Cartas do Rio era o título da coluna que o jornalista mantinha no Diário Popular.
(Fonte: https://imagensehistoria.wordpress.com/tema-1-republica-velha/carta-de-aristides-lobo/)

Com a famosa e conhecida frase sublinhada, em negrito, situada dentro do contexto original.
O título é parte do § 2º do Artigo 72 da Primeira Constituição Republicana, que reza em seu caput: "Todos são iguaes perante a lei"
Ilustração retirada do livro Brasil: uma biografia, de Lilia M. Schwarcz e Heloísa M. Starling, Companhia das Letras, 2015, cuja leitura pode ajudar a começar a entender o País.