quarta-feira, 21 de outubro de 2015

uma linda história de amor (ou, juízo de mais é trambolho)


De passagem por Castelo, no Piauí, para visitar o irmão engenheiro, a mocinha foi por ele advertida a não levar a sério a lábia de um tal Baptista (fala-se batista), rapaz festeiro, enxerido e namorador, embora afável e cordial.
Com a curiosidade aguçada, resolve ela mesma tirar a prova no footing da boca da noite, costume das cidades do interior nos finais dos 1930, onde as moças casadoiras e os rapazes solteiros caminhavam pela praça, avaliando suas possibilidades.
Identificando logo o alvo, comenta com suas amigas que aquele mesmo não seria páreo para ela, garantindo que ela o faria facilmente comer na sua mão.
Ele, sempre atento, notara aquela mocinha branca e magrinha chegando na cidade mais cedo, julgando, porém, ser a esposa do engenheiro, que casara recentemente em Minas Gerais. Sua presença naquele ambiente, mostrou o engano e reacendeu sua esperança. 
No dia seguinte, ela partiu no trem com as amigas para Teresina, objetivo final de sua viagem, pois só parara por ali para ver o irmão. Ele resolveu não perder tempo.
Exercia, na época, o ofício de guarda-fio do Telégrafo, função que consistia em inspecionar o estado da linhas telegráficas, entre as estações da estrada de ferro, em lombo de burro. Entre uma viagem e outra foi aprendendo com os amigos telegrafistas o código morse, ficando apto a quebrar o galho de um ou outro, nas eventualidades. Chegara a hora de aproveitar o conhecimento e as relações.
Assim, em cada estação onde ela passava, um longo e derramado telegrama. Habituada à linguagem 'telegráfica' do meio, onde se cobrava por palavra escrita, procura avaliar se ele era muito rico ou estava perdidamente apaixonado.
Responde por cartinhas, das quais também não temos o teor.
Resumindo, em menos de um ano lá estava ele na Caiçara, em Cariré, pedindo a mão da moça em casamento para levá-la pros confins do Piauí. Diante da determinação dos dois, a família cuida dos arranjos para celebrar o casamento, com o Padre Áureo, em Sobral, e lá vão eles pra começar uma vida nova.
Estabelecida em Castelo, enfrenta com galhardia o choro e as maledicências das pretendentes ao marido, incluindo uma pretensa noiva oficial, de nome Ducolina e apelido Ducu. Depois acompanhou o marido pelo Piauí e Ceará, em suas novas funções na Coletoria Federal do Ministério da Fazenda, cujo acesso se deu por concurso público, até sua aposentadoria em Fortaleza.
Ela contava esta história com gosto, a gente escutava embevecido, perguntando pelos detalhes e o marido sorria benevolente. Cada um na certeza de ter enganado o outro.
Ledo engano. Ninguém enganou ninguém em nenhum momento.
Há 25 anos, comemoraram Bodas de Ouro, numa festa de arromba, com a presença de filhos, netos, irmãos, irmãs, sobrinhos, amigos, com tudo o que tinham direito depois de cinquenta anos de amor e cumplicidade. 
Foi a mais linda história de amor, que até hoje eu vi alguém contar...

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