segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Rural e desconhecido

Fonte: IBGE
Em postagem recente prometi falar sobre os agricultores que não utilizam agrotóxicos, que de acordo com os dados preliminares do Censo Agro 2017, divulgados pelo IBGE, representam 64% do total de estabelecimentos agropecuários, num total de 3.230.186. A mesma pesquisa aponta um crescimento de 20,4% no número daqueles que deles fazem uso, em relação a 2006, atingindo o número de 1,7 milhão de unidades produtivas. A não utilização de veneno por 2/3 dos estabelecimentos poderia ser motivo de festa, se estes números não revelassem (melhor, escondessem) uma realidade perversa.
Mais da metade dos estabelecimentos agrícolas do Brasil pratica uma agricultura rudimentar, sem utilizar técnicas elementares de cultivo, tem precário acesso a mercados e ocupa ínfimos palmos de terra. Não aparece nas matérias de economia da mídia que exaltam e louvam a pujança do agro brasileiro. No entanto, teima em permanecer firme e real no desconhecido mundo rural, aparecendo a cada censo agropecuário que se realiza.
A modernização da agricultura brasileira, incrementada a partir de meados dos 1960, ignorou totalmente a questão agrária, embora já dispondo do Estatuto da Terra, criado em 1964 pelo governo militar, limitando-se a atualizar as práticas utilizadas desde o século XIV, com a adoção da mecanização e insumos químicos para culturas voltadas à exportação. Quem não se adequasse ao figurino estava excluído do processo, impedido de ter acesso ao Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) e à assistência técnica oficial e gratuita.
Fechou-se a porta do progresso para uma multidão de agricultores, gente irrelevante fadada ao desaparecimento com o advento da agricultura pujante e moderna que brotaria dos planos iluminados desenhados nas pranchetas do Brasil Grande. Gente ignorante dispondo apenas de conhecimentos ancestrais sobre cultivos tradicionais, que logo seriam substituídos pelos conhecimentos acadêmicos dos egressos das faculdades de agronomia, habilitados a receitar adubos e venenos.
(Curioso que a agricultura dita moderna esteja indissoluvelmente ligada à aquisição de insumos da indústria agroquímica. Nos últimos anos do século passado, eu mesmo já tive negado um custeio de maracujá, num banco público, porque não utilizava estes insumos por adotar um manejo orgânico. Cumpre informar que, realizando o plantio com recursos próprios, obtive produção e produtividade do mesmo nível que os companheiros da região que adotavam o pacote exigido.)
Os analistas do Censo vão decretar a irrelevância desta gente, vociferando contra qualquer política pública que lhe seja dirigida. No entanto, quem anda pela roça sabe como são capazes de responder a qualquer programa criativo que leve em conta suas características, como o PAA.
E a cada Censo Agropecuário estarão presentes para demonstrar o fracasso do agronegócio (o nome chique que inventaram para o sistema de plantation, adotado desde a Colônia) em promover o real desenvolvimento do mundo rural.

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