sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

E cobram caro.

Rezam os fundamentos da economia que o preço das mercadorias é determinado pela lei da oferta e da procura. Maior procura, sobem os preços; maior oferta, despencam.

O agricultor sabe bem como funciona esta lei. E sabe também que diversos fatores interferem no viés de neutralidade de seu enunciado. Especulação, concentração de compradores e canais de distribuição, tabelamentos, confiscos, etc.


Em suas intervenções, desde os primeiros registros disponíveis, os governos privilegiam o abastecimento das populações urbanas, deixando para o agricultor o peso da lei, lavando as mãos e falando que isto é o mercado.

E quase sempre os alimentos estão na pauta da mídia quando o assunto é um repique inflacionário, com destaque para o tomate, mas já tivemos ministro que culpou até o chuchu (o fruto).

Mas quando dá um bambu e o tomate, que custa no mínimo quinze reais pra produzir uma caixa,  está sendo vendido a cinco reais (cada caixa), não aparece nenhuma matéria para dizer como o agricultor está escapando.

O agricultor é o último elo da cadeia de insumos e o  primeiro, da de distribuição. Compra pelo maior preço e vende pelo menor. Não possui organização, nem estruturas para especular com o produto, ficando estes ganhos nas mãos dos outros agentes.

E os orgânicos?

Nas prateleiras dos supermercados são vendidos mais caros que os outros e a mídia vive proclamando isso. Parte se explica pela lei da oferta e procura, citada acima, outra aos canais de comercialização utilizados e também a algumas distorções no conceito de orgânico. Veremos isso.

Os primeiros agricultores orgânicos utilizavam circuitos curtos de comercialização, vendendo localmente sua produção. Variedades que faziam parte da cultura alimentar da região, perfeitamente adaptadas às suas condições ecológicas. Não faz sentido para os princípios orgânicos queimar um tanto de combustível para trazer comida de locais distantes. Aquele princípio da ecologia, plantas adaptadas ao solo e clima, produtos da época e que tais.

Por outro lado, havia um consenso entre consumidores e agricultores que o preço dos produtos devia ser suficiente para remunerar condignamente o trabalho de quem produzia. Afinal, não dá para ter uma agricultura economicamente viável com preços que não cubram pelo menos os custos de produção (isso, até os comentaristas econômicos da globo conseguem entender). Então, não se aplicavam a lógica e os métodos empregados pela grandes corporações que começavam a surgir no mercado de alimentos e se tratava o agricultor como um ser humano com os mesmos direitos e aspirações de seus iguais. Uma relação de respeito e confiança.

Assim o mercado ia crescendo organicamente, dentro dos princípios de saúde, ecologia, justiça e precaução, quando ocorreu uma explosão na procura por alimentos orgânicos, motivada pelo reconhecimento dos malefícios trazidos pela agricultura industrial: erosão genética, desmatamento, degradação do solo, poluição do ar, contaminação das fontes e mananciais de água, monoculturas, alto consumo de combustível, exclusão social, resíduos tóxicos nos alimentos, culminando com o mal da vaca louca. Com isso, o sistema de distribuição de alimentos começou a enxergar nesta tendência um precioso nicho de mercado a explorar.

Com o aumento da procura, os preços disparam, com os novos atores na comercialização surge uma distorção no conceito de orgânico, que ao invés de ser um produto proveniente de um organismo agrícola, passa a ser tratado como um que é produzido com insumos orgânicos. Nada a ver com o conceito original. É uma agricultura de insumos, como a industrial, só que usa insumos orgânicos. Reduziu-se, então, a produção orgânica a uma simples ausência de agrotóxicos. E correu-se com as legislações governamentais para regular este novo mercado, até então autorregulado.

Estas legislações acabaram trazendo custos suplementares para o agricultor orgânico, obrigado a arcar com as despesas com inspeções, análises, sistemas de rastreabilidade e assemelhados, enquanto do sistema de produção convencional/industrial não se exige nem ao menos a obrigação da utilização do receituário agronômico, previsto em lei, para a utilização dos agrotóxicos. E não se vê nenhuma reportagem-denúncia-espetaculosa como fazem com os orgânicos. 


O sistema convencional de distribuição de alimentos encara o consumidor de orgânicos como parte de um nicho privilegiado que pode pagar caro pela sua opção. Já ouvi de um diretor de rede de supermercados a afirmação que não haveria interesse em baixar o preço dos produtos para ampliar o mercado porque a visão deles sobre nicho era outra.

Esta distorção se dissemina e chega-se a esta percepção errônea que é utilizada por muitos aproveitadores e acaba atingindo os próprios produtores. Assunto para o próximo post, onde veremos como anda funcionando o mercado de orgânicos.




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