quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Cogito, ergo sum! cogito?

Direto e reto: os consumidores devem evitar a compra de produtos orgânicos. São caros, não têm garantia de qualidade e tem gente se aproveitando da sua ingenuidade.

Globo locuta, causa finita?

Comentários nas redes sociais reforçam esta impressão. Nenhum questionamento, o coro do 'eu já sabia', melhor engrossar o cordão das pessoas afortunadas, que se dispensam de pensar.

Fico encucado. Notícias e reportagens procurando desacreditar as diversas formas de agricultura alternativa são uma constante da grande mídia. Desde que o movimento começa a se articular, aí pelos 1970. Já se falou que era coisa de hippie, de lunáticos e nefelibatas, de ignorantes que tentavam brecar o avanço da ciência e promover o retorno da humanidade à idade da pedra. Sempre ataques violentos, a maior parte sem fundamentos, eivados de preconceitos, ignorância e má fé.

Por outro lado, as pessoas começaram a acordar para o paradoxo da agricultura industrial, dita 'moderna': o alimento como ameaça à saúde de quem consome e de quem produz. Culminando, nos países do Norte, com o Mal da Vaca Louca, que provocou uma corrida pelos produtos alternativos, conhecidos pela denominação genérica de orgânicos. Esta explosão da demanda fez surgir uma legião de aproveitadores, que sempre foram denunciados pelos agricultores alternativos, ou seja os orgânicos e os agroecológicos, sem que ninguém lhes desse ouvido. Aproveitadores, aliás, estão presentes em todas as esferas das atividades humanas, dispensando que se mostrem aqui exemplos já conhecidos por todos.

A matéria começa com uma animação repleta de estereótipos (desconhecimento? preconceito?) sobre o agricultor brasileiro, que mora lá num lugar distante do interior do Brasil. Ora, gente, o agricultor faz gestão de processos, dos quais a Ciência só conhece a superfície e assim mesmo de forma compartimentalizada, merecendo, no mínimo, ser olhado de outra forma,

Abre-se o quadro e surpresa: surge um feirante, que em nenhum momento da reportagem é apresentado como agricultor. Apenas um comerciante esperto e desonesto, que se aproveita da marca para faturar. Por que então aquela historinha inicial? Por que associar o agricultor com o estelionato de um comerciante?

De volta mais estereótipos: a fazendinha orgânica, com os canteirinhos, uso de enxada, reforçando a ideia de que este modelo não vai atender a demanda de alimentos. E a inevitável associação de imagens de produtos feios e mal cuidados ao sistema de produção orgânica, enquanto as imagens de produtos convencionais são bem plásticas.

Se a Natureza consegue produzir o majestoso ipê que ilustra este post sem utilizar fertilizantes químicos sintéticos nem agrotóxicos. porque não faria o mesmo com um pé de tomate ou pimentão?

Produtos feios e mal cuidados têm mais a ver com a negligência do agricultor que com o sistema de produção. Muçarela e Primavesi sabem disso.

O presidente do Sindicato dos Fiscais Federais acha muito grave - segurança alimentar, saúde pública - mas o Sindicato está na Justiça contra medidas que poderiam agilizar e facilitar a fiscalização. Coisas de perda de status e poder, nada de segurança alimentar. E brotam fiscais quando se faz alguma denúncia sobre a agricultura familiar, seja para apreender produtos, seja para fechar estabelecimentos, baseados numa legislação que foi alterada em episódio cheio de coincidências.

E por aí prossegue.

Coloca em suspeição as feiras orgânicas, em especial a feira da ADAO, no Mercado dos Pinhões, em Fortaleza/CE. Para esta um tratamento diferenciado. Enquanto nas outras feiras os fiscais trajam os escuros coletes funcionais, aqui imaculados guarda-pós e luvas brancas. Dá mais credibilidade? (Anote-se, porém, que colher as amostras com as mãos nuas, como mostrado no Recife, pode comprometer os resultados).

Recomenda exigir o certificado ou registro de produtor orgânico, só pra lembrar que isto não evita fraudes, citando um pilantra certificado lá de Florianópolis. Mas que casa bem com a narrativa que se quer construir.

Sonega (ops!) informações importantes sobre o movimento orgânico no Brasil, estrutura, correntes, legislação, formas de certificação previstas na legislação, entre outras coisas.

O consumidor de orgânicos não é um ser desamparado, órfão do Estado, dependente da eficiência de um sistema de fiscalização arcaico e falho. Via de regra é um cidadão consciente, inquisidor e informado. Não é um ingênuo que aceita gato por lebre e procura esclarecer prontamente as dúvidas.

O movimento orgânico/agroecológico está atento à observância dos princípios que orientam este sistema de produção e possui mecanismos para monitorar seu cumprimento, indo até além das determinações legais. Possui canais de informação disponíveis para qualquer interessado dirimir dúvidas, apresentar sugestões ou denúncias, oferecendo bem mais segurança que a produção convencional, esta sim ao largo de qualquer controle.

Duas palavrinhas sobre a ADAO, organização com anos de história no movimento orgânico, que talvez esteja pagando pecados pelo salto alto, decorrente de sua inovação e pioneirismo. Reunindo numa associação consumidores e produtores, com ampla maioria de consumidores, seria um caso raro de consumidor enganando a si próprio. Curiosíssimo. Nestes links, de fontes e datas variados, informações maiores para quem estiver interessado.

Impagável a cena com o agricultor denunciante silhuetado, em ambiente francamente urbano, acrescentando drama e suspense ao enredo.
  
O movimento orgânico tem sérios problemas, sim. Como transformar a quinoa, alimento dos povos do altiplano, em um produto de preço inacessível para quem o produz. Taí uma pauta interessante, exigindo fôlego, competência e coragem. Vai mexer com as imorais distorções do Sistema Agroindustrial de produção, distribuição e venda de alimentos, apelidado de agronegócio.

Alguém se habilita?

Se alguém que se presume cursou uma faculdade e tem anos de experiência na profissão faz uma matéria deste tipo, não dá para estranhar os comentários de quem se informa exclusivamente pelo que vê na mídia.

Em breve continuamos aquele papo, com maiores detalhes sobre o assunto.


3 comentários:

  1. Ótimo texto, bem pontuado. Seria possível esclarecer as diferenças entre orgânico e agroecológico em um outro post?

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  2. Ê Antônio... Que beleza voce!! Se pudesse eu colocaria voce no
    ministério!Com um abração do simples amigo.

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